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Não é possível falar de desenvolvimento sustentável sem mencionar o papel da educação como vetor de mudança cultural dentro da empresa e na formação de pessoas. A Prof.ª. Drª Marisa Éboli, coordenadora do curso de extensão em Gestão da Educação Corporativa da Fundação Instituto de Administração (FIA), comentou sobre essa responsabilidade durante sua participação no recente Fórum da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-Brasil) de Sustentabilidade, realizado em São Paulo.
Segundo a professora, o termo sustentabilidade ganhou um novo valor na forma como é expresso hoje, com grande foco no futuro dos recursos disponíveis e do bem-estar das pessoas. Segundo uma citação de José Eli da Veiga, apresentada por Marisa durante sua palestra, as raízes do debate e da reflexão sobre sustentabilidade estão centradas tanto na ecologia quanto na economia. Para exemplificar, a professora citou o caso da civilização Inca, que sempre se preocupou com o casamento entre agricultura, ecologia, economia e desenvolvimento.
“Gestão com responsabilidade socioambiental é a gestão caracterizada pelo dever ou obrigação ética de se buscar nas atividades das empresas o desenvolvimento pleno das partes interessadas (cadeia de valor), com sustentabilidade, visando esse ambiente de sustento econômico, social e ambiental”, disse Marisa.
Educação X Prática sustentável
A coordenadora da FIA acredita que da boa intenção para a prática sustentável existe um gap considerável que precisa ser suprido pela educação corporativa e internalizado nas lideranças para que haja uma mudança positiva.
“O envolvimento das lideranças com o sistema de educação corporativa não está ligado somente à informação, a fazer um curso, mas a ter uma prática condizente com aquilo que está sendo ensinado. Esse é um dos pontos que precisam de muita atenção nas organizações. Que o discurso da sustentabilidade já está presente na maioria delas, eu não tenho dúvida, mas a prática, em muitos casos, deixa a desejar”, opina Marisa.
Para a especialista no tema, esse distanciamento entre educação e prática começa desde a escola. Como exemplo, a professora compartilhou a história de um colégio repleto de recursos e ações sustentáveis para ensinar as crianças sobre o tema, mas que despejava seus dejetos no rio atrás da escola, pois não tinha fossa asséptica. “Como ensinar sustentabilidade com essas práticas? Não adianta ter só o discurso, é preciso ter a prática”, reforça.
Há seis anos, em 2009, Marisa conduziu uma pesquisa sobre educação corporativa, que inclui o tema da sustentabilidade. “Em um dos blocos do estudo, perguntamos se o sistema de educação corporativa tinha ações educacionais direcionadas ao desenvolvimento de competências do público interno, do público externo e se eram destinadas ao desenvolvimento de competências técnicas ou governamentais para sustentabilidade”, explica. Segundo a professora, o resultado, que media o nível de concordância dos participantes com a proposição, estava na faixa do “concordo pouco”.
“Em 2012, mantivemos o tema e trabalhamos de forma mais ampla. Para a mesma pergunta, no geral, as médias aumentaram, mostrando maior consciência do setor empresarial. No entanto, segundo o levantamento, quando se trata de ações para desenvolvimento de sustentabilidade na organização, o impacto ainda não é satisfatório e não compete com o perfil das empresas que responderam ao questionário”, comenta.
Outro ponto que chama atenção é o bloco que fala da integração da educação corporativa às demais áreas e processos. “De modo geral, é percebido que o sistema de educação corporativa está bastante integrado com assuntos relevantes, como objetivo estratégico, qualidade de gestão e melhoria dos processos organizacionais, mas não com a área de sustentabilidade. O que se nota é que, mais uma vez, as ações em sustentabilidade ficam restritas a essa área e não conversam com o restante”, conta a coordenadora da FIA.
Para Marisa, o papel do RH está em fazer essa conexão, evitando que o tema fique apartado e que o discurso se distancie da prática. Nesse sentido, os maiores desafios apontados na pesquisa foi colocar a educação corporativa no centro da estratégia e também o engajamento das lideranças. “Sem esse engajamento, dificilmente a gente vai conciliar formação com prática, que é o que torna efetivo o desenvolvimento de pessoas nas organizações”, explica.
Apesar de um interesse legítimo em sustentabilidade, como se espera que as pessoas se comportem de acordo com esses preceitos se elas não são educadas para desenvolver as competências relacionadas e se não há bons exemplos para se mirar. “Muito está sendo feito, mas na minha opinião não é o suficiente”, conta.
Um bom exemplo sustentável
Como exemplo, Marisa levou a propaganda da marca Patagônia, de artigos e equipamentos esportivos, que foi veiculada no Jornal The New York Times, em novembro de 2011, durante a Black Friday. “Ela falava para as pessoas reutilizarem, reaproveitarem e reciclarem. A propaganda dizia ‘Não compre essa jaqueta. Você realmente precisa de mais uma? ’. Isso foi um choque cinco anos atrás”, lembra a professora.
A história da empresa Patagônia nasceu da paixão de seu criador pelo alpinismo. “Ele começou a produzir seus próprios mosquetões e grampos de escalada, com a preocupação de não deixar marcas nas montanhas. Em 1972, a empresa nasce em com um ensaio de 14 páginas falando sobre o que é uma escalada limpa”, comenta a palestrante sobre o vanguardismo da marca.
A ação foi bastante eficaz, já que os executivos da empresa sabiam que esse tipo de ação era bastante valorizada por seus consumidores, que consideram fundamental a preocupação ambiental. “Eu tenho que confessar que gosto muito das coisas da Patagônia e me deu o efeito contrário quando eu vi a propaganda. Pensei ‘eu quero as coisas da marca’. Os executivos sabem disso e o que eles fizeram criou um movimento anos depois, com as empresas tendo um novo discurso para o Black Friday”, conta.