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Os verdadeiros empreendedores estão desaparecendo e logo podem deixar de existir. As melhores práticas de gestão de negócios vêm se disseminando e expandindo a cobertura para além dos bancos e grandes indústrias: caminhamos para uma sociedade mais padronizada que será boa em eficiência, mas se tornará pobre em inovação e empreendedorismo.
Vivemos a era da eficiência. Cada vez mais, as melhores práticas de gestão de negócios vêm se disseminando e expandindo a cobertura para além dos bancos e grandes indústrias. Hospitais são geridos de forma mais profissional atualmente. Clubes esportivos têm metas e objetivos. Escolas têm planejamento de longo prazo. Redações de jornais e revistas implementam descrições de cargo para seus repórteres.
Progressivamente, mais atividades que estavam fora do campo das ciências da Administração estão adotando técnicas, ferramentas e metodologias profissionais de gestão. No mundo das pequenas empresas isso não é diferente. De escritórios contábeis a restaurantes, de postos de gasolina a pequenas gráficas familiares, todos estão começando a perceber que se não melhorarem seus procedimentos e controles, sua sobrevivência não estará garantida.
O mercado está inundado de ferramentas que aprimoram a gestão das empresas. Planilhas pré-formatadas, modelos de análise de competitividade, canvas de modelos de negócios, balanced scorecards para pequenos negócios e assim por diante. Muitas delas são disseminadas por entidades de apoio ao pequeno negócio, como o Sebrae.
A padronização das rotinas e procedimentos não é um mérito apenas da gestão de negócios, diversas atividades já estão seguindo as chamadas “melhores práticas”. Assim, existe um programa padrão de treinamento de funcionários de uma cadeia de fast-food; um modelo apropriado para treinar goleiros em times de futebol; um procedimento para analisar uma proposta de linha de crédito em um banco; e métricas e controles específicos para controlar a qualidade de uma pequena confecção.
A seleção brasileira jogava o futebol arte. Com a evolução das técnicas, matamos a arte para buscar a eficiência. Isso deu certo na Copa de 1994 e seguimos insistindo em extinguir as competências naturais do menino da várzea para fazê-lo se adequar ao “jeito certo de jogar bola”. Nada de errado nisto, pelo contrário, embora possa não garantir o crescimento contínuo destas empresas, certamente essa padronização está garantindo sua sobrevivência em um mundo cada vez mais competitivo e complexo.
No entanto, quando falamos de empreendedorismo, o que é bom pode se tornar ruim.
Em primeiro lugar, vamos rever a definição mais básica e simples de empreendedorismo. É a criação de algo novo, assumindo os riscos necessários para gerar alto valor percebido. Empreender, portanto, é bem diferente de gerir um negócio, pois envolve criar, gerir e manter. Empreender se refere a fazer algo diferente e inovador, enquanto gerir é melhorar o que existe e restringir o diferente. Empreender significa aceitar o risco com parte do processo, enquanto gerir é evitar o risco por meio da padronização de processos.
O que ensinamos nos cursos de Administração de Empresas é a busca da eficiência. Como usar as ferramentas que ajudam a otimizar o uso dos recursos disponíveis e gerar melhores resultados para tornar as organizações mais competitivas. Não ensinamos empreendedorismo nas universidades, ensinamos a gestão de pequenos negócios dentro do mesmo paradigma da Administração.
A constante disseminação das chamadas “melhores práticas” e a padronização de processos entram no paradigma da melhoria contínua e não da inovação que gera uma ruptura nos processos existentes. Tudo isso é esperado e não surpreende. Afinal, quanto mais indivíduos capazes de estabelecer e seguir processos padronizados, menos problemas surgirão por desvios de processo, ocasionando menos perdas, menos erros, menos custos, menos tempo de retrabalho, menos desperdício, mas também menos criatividade, menos capacidade de pensar diferente, menos ousadias, menos inovação.
A sociedade padronizada para a qual estamos caminhando será boa em eficiência e eficácia, mas será pobre em inovação e empreendedorismo. Indivíduos com disposição de se arriscar a romper com um padrão estabelecido para impor uma nova ordem estão ficando cada vez mais raros, os verdadeiros empreendedores estão desaparecendo e logo podem deixar de existir.
Os empreendedores que estão desaparecendo, assim como o menino talentoso que joga futebol de várzea, são aqueles que conhecem a técnica, aprendem as ferramentas, mas ouvem o estômago antes de ouvir seu cérebro e sabem fazer um bom balanceamento entre o instinto e a técnica.
Como professor universitário, não posso deixar de fazer uma autocrítica. O que estamos fazendo para manter pelo menos uma fagulha no ensino superior que incentive pessoas com potencial a se tornarem grandes empreendedores sem massacrá-los com as “melhores práticas” e acabar matando sua chama empreendedora?
Se você estiver pensando em alguma formação específica para sua carreira empreendedora, pense em escolas de negócio apenas para buscar conhecimento e não para desenvolver suas competências empreendedoras. O que você precisa como empreendedor é a capacidade de pensar diferente das demais pessoas; de construir relações significativas com pessoas que podem ser importantes para seu negócio; de improvisar e fazer muita coisa com poucos recursos; de se adaptar rapidamente às circunstâncias adversas que surgem sem aviso; a habilidade de aprender com seus próprios erros e de perseverar e insistir depois de uma queda. E nada disso, infelizmente, está ao alcance dos cursos de Administração.
Se você já tem estas competências, ou pelo menos parte delas, não as deixe desaparecer com a pressão pelo “jeito certo de fazer as coisas” imposta por um número cada vez maior de organizações na nossa sociedade. Esta é uma pressão muito grande, pois na hora de seguir o instinto, você acaba confiando mais no seu treinamento e na sua formação padronizada, se sentindo inseguro. Com o tempo, seu instinto e outras habilidades naturais acabarão sumindo, tornando-o mais um empreendedor mediano.
Psicólogos educacionais costumam dizer que todos nós nascemos criativos, mas o modelo educacional vigente nos coloca em “caixas” e nos condicionam a seguir comportamentos e ações pré-estabelecidos. Felizmente, uma das características dos empreendedores é justamente não se conformar com o padrão imposto e não se importar em ser “diferente”.
Marcos Hashimoto é Professor do Mestrado Profissional em Administração de Empresas da Faculdade Campo Limpo Paulista e da Fundação Instituto de Administração (FIA), Consultor e Palestrante, doutor em Administração de Empresas pela EAESP/FGV (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas), autor do livro Lições de Empreendedorismo e do software SP Plan de planos de negócios.